quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O drama da pobreza

Todas as terças feiras, concedo audiências na Câmara Municipal. Mais de 90% dos munícipes que se dirigem ao Presidente da Câmara solicitam apoios e contam dramas da sua situação, alguns com lágrimas nos olhos. Habitações em situação de degradação e de risco, com tectos em estado de ruína; desemprego; falta de dinheiro para comprar medicamentos; falta de dinheiro para pagar propinas; falta de dinheiro para pagar rendas de casa, enfim retratos reais de pobreza aguda que não são casos isolados mas que abundam pelos diversos bairros e localidades desta cidade capital de Cabo Verde, país de rendimento médio. As estatísticas aliás têm dado conta parcial desta realidade.
A elevada taxa de desemprego e o elevado nível de pobreza estão aí para demonstrar a extensão das pequenas amostras de dramas humanos. E não se pense que estou a falar apenas daqueles que não têm emprego. Estão em situação de pobreza e abaixo da linha para conseguirem satisfazer as necessidades básicas alimentares, de habitação, de educação e de saúde, muitas famílias que ganham 12.000$00 ou 16.000$00 por mês e, que em casa, com uma média de 4 ou 6 filhos, existe apenas um único elemento da família com emprego. Vejam o per capita que isto dá! Acresce o facto de cerca de 35% dos jovens entre os 15 e os 24 anos serem pobres (IDRF 2001/2002), para se ter a ideia da dimensão do problema social que habita os bairros e as localidades deste país e, particularmente, da cidade da Praia.
Quando as pessoas pedem apoio para comprar medicamentos, não se está mais do que reflectir o facto de mais de 70% dos pobres não terem acesso aos sistemas de comparticipação do Estado nas despesas de saúde.
A precariedade sanitária (88% dos pobres não possuem casa de banho com retrete), de abastecimento da água e da habitação ajudam a completar o quadro do drama da pobreza.
Um estudo realizado pela Afrosondagem em 2009, com base em inquérito efectuado a 14.000 famílias residentes em bairros e localidades de crescimento espontâneo da cidade da Praia, registou 5.072 casas construídas em lugares de risco (linha de água e encosta, essencialmente); mais de 2.750 casas com cobertura em mau estado e em situação de derrocada eminente; mais de 5.300 casas sem casa de banho; mais de onze mil sem rede de esgoto e mais de 8.700 sem água canalizada. Tudo isto num universo de 14.000 casas de famílias inquiridas!
A fragilidade ambiental e social é por demais evidente e reclama por políticas públicas capazes de fazer crescer a economia a taxas médias superiores a oito por cento (igualando ou ultrapassando o potencial de crescimento e tirando a cabeça de fora da água para poder reduzir a pobreza); políticas de solidariedade social sérias, com regras de objectividade e imparcialidade focalizadas nos pobres (em vez do estratagema de partidarizar as intervenções e os benefícios sociais como tem sido a prática); priorizar investimentos com impactos directos na qualidade de vida das famílias, na protecção ambiental e civil e na atractividade das cidades, vilas e localidades, como é o caso do saneamento básico, da drenagem das águas pulviais, do acesso à água e ao esgoto e da reabilitação de habitações; políticas de coesão territorial e de reforço de recursos aos municípios para implementarem sistemas de intervenção social de proximidade e investirem em áreas da sua competência.
A Câmara Municipal da Praia vai investir ainda este ano, de entre outros, 50 mil contos em reabilitação de habitações, 100.000 contos em calcetamentos de bairros, 77 mil contos na requalificação da encosta de Vila Nova, 50 mil contos na drenagem de águas pluviais na zona de Cobom/Fontom, 15.700 contos em sanitários públicos, 4.860 contos em chafarizes amovíveis, 51.700 contos em infraestruturas desportivas para os jovens dos bairros, 350 mil contos num novo mercado capaz de criar condições para a melhoria de rendimento de várias famílias. A Câmara Municipal apoia, com o pagamento integral ou parcial de propinas, jovens pertencentes a famílias mais pobres a terem acesso à educação e à formação, como um dos meios para implementar a politica de inserção social dos jovens. Os candidatos aos apoios são seleccionados mediante concurso público, regras e critérios pré-estabelecidos, amplamente publicitados e um juri independente. No ensino pré-escolar, celebramos protocolos com 18 jardins infantis privados e investimos por ano, 4.000 contos em subsídios para pagamento de propinas a crianças carenciadas de forma a poderem ter acesso e frequentarem a educação pré-escolar. Isto, para além dos jardins infantis pertencentes ao município e que são suportados pelo orçamento da câmara. Apoiamos o pagamento de propinas a 250 crianças e jovens, filhos de pais carenciados que estudam no Centro Educativo Miraflores.

Na formação profissional, investimos 14.000 contos por ano no pagamento de propinas para a frequência de jovens a essas escolas. Investimos 15.000 contos por ano em subsídios para o pagamento de propinas para a formação superior de jovens carenciados. Cerca de 100 jovens são benficiados com o apoio no pagamento das propinas nas diversas universidades e institutos superiores sediados na Praia.
Noventa famílias carenciadas são apoiadas anualmente pela câmara municipal com subsídios mensais de 400 mil escudos. Cento e cinquenta idosos frequentam as casas de terceira idade em Castelão, Vila Nova e Várzea, e mais recentemente começou a funcionar também o centro comunitário de Tira Chapéu, a expensas do orçamento da Câmara Municipal (alimentação e cuidados de saúde).
Tudo isto é desgraçadamente pouco face ao lastimável estado de pobreza da capital do país. Tivessemos mais recursos, multiplicaríamos os investimentos por 10 e com prioridade centrada na melhoria da qualidade de vida das pessoas e na atractividade da cidade para que possa receber investimentos privados que criem riqueza. O Governo é que tem que pôr a mão na consciência e avaliar os impactos dos investimentos que tem feito e as grandes omissões relativamente àquilo que é realmente relevante e necessário.

1 comentário:

  1. ‎"A pobreza não é uma fatalidade." Foi um dos teus slogans de campanha e as medidas que vêem sendo implementadas pela CMP e a indignação refletida no texto e nas acções, confirmam esta asserção.
    Infelizmente muitos dos que nasceram e cresceram na pobreza foram apanhados na teia da vaidade e do novo-riquismo e se esqueçer...am das suas raízes e daqueles que hoje esperam e desesperam por uma mãozinha do "compas" que virou da "socity".

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