segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (VI)

Uma economia assistencial e rentista
O perfil de economia rentista e de Estado assistencial que existia desde a época colonial foi aprofundado e enquadrado por um regime político subordinador e cerceador da autonomia da sociedade civil e por um sistema económico que subalternizava a iniciativa privada e desconfiava do investimento estrangeiro. A natureza de financiamento da economia nos inícios dos anos 70 (antes da independência) e na década de 80, era idêntica: subsídios não reembolsáveis, donativos, empréstimos concessionais e remessas de emigrantes. Esta natureza de financiamento de programas de assistência evoluiu para um misto de assistência e desenvolvimento que ainda perdura até hoje com uma importante expressão a nível do Orçamento do Estado e da Balança de Pagamentos.
A não inflexão das tendências da última fase do período colonial e do aprofundamento do assistencialismo e da economia rentista, confirmaram e moldaram uma economia desligada da produção e um Estado que se posiciona e se desenvolve como um agente distribuidor de recursos captados do exterior sob a forma de renda. As principais características da economia cabo-verdiana ainda prevalecem: défice comercial elevado (em média cerca de 40% do PIB); serviços líquidos normalmente positivos mas representando uma pequena fracção desse défice; transferências externas (remessas de emigrantes e ajuda pública ao desenvolvimento) financiando cerca de 2/3 do défice comercial (até 1990, essa cobertura era maior). As transferências contribuem para um PNB e um rendimento disponível mais elevados do que seria assegurado pela produção local da população residente. Funcionam como uma “renda” de que a economia beneficia e que lhe permite o recurso crescente à importação de bens, sem que haja um crescimento correspondente da produção interna. O consumo, particularmente o privado, tem sido o principal responsável pelo crescimento da economia cabo-verdiana. Cabo Verde consome mais do que produz e esta é uma realidade que já vem de várias décadas. Segundo o estudo da SaeR, coordenada pelo Professor Ernâni Lopes, “a variação do consumo, dada a fraqueza da actividade produtiva local, aumenta a solicitação da produção exterior e, por conseguinte, das actividades de comércio e serviços ligadas à importação e comercialização local dos produtos, o que implica que sejam exactamente o consumo (lado da procura) e aqueles dois sectores (lado da produção) os principais responsáveis pelo ritmo de crescimento da economia cabo-verdiana”.
Segundo ainda o estudo da SaeR, o modelo rentista da economia caboverdiana defronta-se com dois tipos de limites importantes relacionados com as fontes de “rendas” do exterior e limites internos do próprio modelo: (1) tendência para a redução no fluxo de emigração, nas remessas de emigrantes e na ajuda ao desenvolvimento, com efeitos sobre o rendimento disponível das famílias e sobre o financiamento do défice público; (2) a quebra das transferências amplia as dificuldades económicas do país por falta de uma base amortecedora interna susceptível de compensar as dificuldades originadas nas relações com o exterior.
Esta é uma realidade que se mantém até ao dia de hoje, apesar de se ter vindo a registar desde a década de noventa, mudanças estruturais na economia com o aumento dos serviços líquidos e o surgimento e expansão do investimento directo estrangeiro, mas numa expressão ainda muito inferior ao peso das transferências. Foi o reconhecimento dessa realidade de dependência de rendas precárias e de elevada vulnerabilidade face aos choques externos que levou à consideração, principalmente a partir de 1995, de que era necessário modificar o modelo de inserção de Cabo Verde na economia internacional.
Uma economia iliberal
Em rigor não se pode falar em liberalização ou abertura económica em finais da década de 80, mais precisamente em 1988, como se pretende algumas vezes apontar. As medidas de flexibilização introduzidas pela revisão constitucional de Dezembro de 1988 foram ambíguas e continuaram essencialmente focalizadas no papel predominante atribuído ao Estado no domínio económico e empresarial.
Quer o quadro constitucional, legal e institucional, quer a praxis governativa, eram de cariz iliberal, até ao final da vigência do regime de partido único: (1) domínio de empresas públicas em praticamente todos os sectores de actividade económica; (2) lei de delimitação de sectores e reserva pública impedindo ou restringindo fortemente a liberdade de acesso aos mercados; (3) fortes restrições à liberdade do comércio através de plafonds de importação, de crédito e cambial; ausência do primado da lei, subalternização da propriedade privada e fraqueza de mecanismos da sua defesa e protecção, não propiciando segurança jurídica e económica aos agentes económicos; (4) ausência de concorrência e de regras de funcionamento dos mercados; (5) total poder de discricionaridade e arbítrio do poder político e da administração do Estado sem sujeição a mecanismos de fiscalização, de “checks and balances” e de “accountability”.
Todos estes factores que resultavam da estrutura do regime político e do seu sistema económico e institucional, obviamente não facultavam condições para a confiança aos investidores e agentes económicos, aumentavam a incerteza no cálculo económico e aumentavam extraordinariamente o risco do país. O ambiente geral não era por isso propício ao empreendedorismo e à atracção do investimento privado, fosse ele nacional ou estrangeiro. Não seriam, pois, as tímidas alterações constitucionais e legais de 1988-89 que poderão conduzir à classificação de abertura económica ou de processo de liberalização quando toda a estrutura de base era manifestamente iliberal.
Os fundamentos de uma economia de mercado – a liberdade, a propriedade privada, o primado da lei, a meritocracia, a regulação, a concorrência e a confiança – para além de estarem ausentes eram negados de jure e de facto.
As consequências sobre o sistema económico são evidentes: debilidade do tecido empresarial e estrangulamentos institucionais ao crescimento económico e ao desenvolvimento provocados por um Estado predatório e patrimonialista. Os efeitos do partido-Estado sobre o sistema económico, social, educacional, cultural, burocrático e da comunicação social foram fortes, estruturantes e prolongados e fazem-se sentir, apesar da mudança de paradigma em 1991, até hoje.

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (V)

Uma economia estatizada

A estatização da economia era uma opção derivada da estrutura ideológica vigente durante o regime de partido único, com enquadramento constitucional e era coerente e consistente com a natureza deste regime. A praxis governativa também foi coerente com essa opção.
A estatização era concretizada através da propriedade estatal sobre um vasto conjunto de sectores de actividade económica e social, da expropriação e nacionalização; da reserva pública sobre determinados sectores; da planificação central e da regulação através de instrumentos não económicos e através de sérias limitações à liberdade económica como a lei de delimitação de sectores que vedava e restringia a intervenção do sector privado na economia, a contingentação e o licenciamento do comércio de importação e o controlo cambial associado às quotas de importação.
Em 1982, os serviços governamentais contribuíram com quase 11% para a formação do PIB e o Sector Empresarial do Estado (SEE) com mais de 37%. No final de 1988, existiam 19 empresas públicas e 14 empresas mistas que representavam um Valor Acrescentado Bruto (VAB) estimado em 16% do PIB, em 1990. O total de emprego assegurado pelo Estado era, em meados da década de 80, de cerca de 50%. Em 1990, o Estado e as Empresas Públicas representavam 59,3% do investimento nacional, o consumo público ascendia a 20% do PIB e o sector público era responsável por 41% do emprego.
As empresas públicas eram ineficientes. Registavam avultados prejuízos, consumiam o grosso do crédito disponível à economia e prestavam serviços de baixa qualidade em todos os sectores. A real dimensão dos problemas do SEE só foi possível determinar aquando das privatizações que ocorreram na década de noventa: 128 milhões de dólares de passivos que tiveram que ser assumidos pelo Estado (Tesouro Público) e 31 milhões de dólares de encargos com a reestruturação das empresas objecto de privatização.
A indústria e a agricultura eram considerados os sectores estratégicos e prioritários da economia. A indústria foi definida como tendo um papel determinante na viabilização da economia cabo-verdiana, devendo caber ao Estado o papel de dinamizador do desenvolvimento industrial como “empresário industrial”, através de empresas públicas e mistas e o exclusivo do acesso aos meios básicos de produção industrial.
O II PND 1986-1990, definiu a indústria como sector de acumulação para o financiamento do desenvolvimento tendo como objectivo primordial, assegurar a viabilidade do conjunto da economia, contribuindo para o equilíbrio das trocas externas, para a exportação e para a resolução do problema do desemprego.
Para tal, cabia ao Estado concentrar a sua acção nos projectos industriais estratégicos (enquanto empresário), devendo, quanto aos projectos induzidos, desempenhar um papel de incitamento e de controlo directo.
Esta opção pela indústria como sector alavanca da economia, subordinada à estratégia de substituição das importações e como reserva do Estado, foi mantida durante toda a década de 80, apesar de o I PND (19821985) ter reconhecido que apenas 40% da capacidade produtiva instalada na altura estava a ser utilizada.
Os resultados dessa opção demonstram o fracasso da via escolhida. O sector considerado estratégico, prioritário, alavanca do crescimento económico e gerador de emprego e de equilíbrio externo, contribuiu apenas com 4% e 6% para o PIB, em 1980 e 1990, respectivamente e com 5% e 7% para o emprego, em 1980 e 1990. As exportações situaram-se a um nível insignificante comparado com o rápido crescimento das importações.
Por outro lado, a estratégia de industrialização pela substituição das importações deixou marcas estruturantes: altas tarifas aduaneiras, restrições administrativas relacionadas com o comércio externo, quer em termos de licenciamentos das importações, quer em termos de controlo cambial, com todos os efeitos sobre o estímulo ao desenvolvimento do comércio informal, do mercado negro e da corrupção, sobre a organização e a competitividade do tecido empresarial e a inflação.
A agricultura era um outro sector definido como prioritário ao qual era atribuído um papel de estabilização do mundo rural e de segurança alimentar.
Estruturou-se assim um sector mantendo a lógica dos programas de “Apoio” da época colonial transformados em “FAIMO”, baseado em investimentos no sector rural orientados para a criação de empregos precários, de fraca produtividade, com vista a garantir um mínimo de rendimento às populações.
Ao Estado era atribuído um papel determinante no sector da agricultura, silvicultura e pecuária. O Programa do Governo para 1986-1990, definiu a agricultura que “emprega 60% dos trabalhadores dos projectos de alta intensidade de mão-de-obra como um sector prioritário”. Manteve-se assim a mesma linha de orientação relativamente a um sector sujeito a elevada carga política, usado como um elemento de forte dependência das populações face ao poder do Estado, apesar de o referido Programa do Governo reconhecer uma situação de degradação da participação do sector no PIB versus os elevados investimentos públicos realizados (32,4% dos investimentos públicos, no 1º quinquénio e 21% no 2º quinquénio), salientando que “os resultados não correspondem ao esforço de investimento realizado pelo Estado”.
A estratégia de estabilização do mundo rural teve efeitos negativos a nível económico, social, cultural e político: conduziu ao aprofundamento de uma relação de dependência face ao emprego público, destruição de um “ethos” de trabalho derivado de um contacto secular com uma terra dura e ingrata, debilidade do capital social, fraca produtividade, elevado êxodo rural, forte dependência da ajuda externa, excessiva carga política na gestão dos investimentos públicos, factores que na sua essência permanecem até aos dias de hoje. Decorridos mais de 30 anos da data da independência, ainda não se conseguiu definir e executar um novo perfil para a agricultura e sua função na economia de um país onde apenas 10% de terras são aráveis e cultiváveis, os solos são de origem vulcânica, pobres em matéria orgânica e com grande sensibilidade à erosão; a pluviosidade é deficitária e aleatória (média de 300 mm) e os recursos hídricos são insuficientes.

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da constituição e da praxis governativa (IV)

Características da economia na década de 80
As principais características da economia cabo-verdiana durante toda a década de 80 eram – enquadrados por um quadro ideológico e por uma arquitectura jurídico-institucional – (1) uma economia desintegrada da economia mundial; (2) uma economia estatizada; (3) uma economia assistencial e rentista; (4) uma economia iliberal.
Uma economia desintegrada da economia mundial
A edificação duma economia nacional independente, um objectivo enquadrado “no combate contra a ordem económica (internacional) injusta existente”, teria que avançar mesmo sabendo, como reconhece o próprio PND (1982-85), “que o objectivo não é contudo fácil de se traduzir em objectivos económicos definidos, num mundo cada vez mais marcado por interdependências dos sistemas económicos nacionais”, e que “mais difícil ainda se torna no caso de uma pequena Nação (Cabo Verde) com recursos quase inexistentes”.
Nesse sentido, como constava do Programa do Governo, privilegiavase a orientação para a integração regional e para o intercâmbio entre os Estados da sub-região. As perspectivas a longo prazo (1985-2000), traçadas pelo I PND, apelavam à necessidade de “criação duma capacidade de exportação e de evitar que o aparelho produtivo seja muito sensível às crises e às vicissitudes da actividade económica internacional” e para isso, apontava o caminho do “desenvolvimento de relações económicas preferenciais com os Estados da região (no quadro da CEDEAO e do CILSS) e outros países africanos para concretizar essa política de redução da dependência”. Isto significava uma opção que agravava ainda mais os constrangimentos de uma pequena economia insular como Cabo Verde que, para além de estar distante dos mercados internacionais (em termos de intensidade de relações económicas, custos de transportes e acesso às comunicações), era empurrada para um espaço económico regional pouco dinâmico como é o da África Ocidental.
O objectivo de edificação duma “economia nacional independente”, a par do desenvolvimento e fortalecimento do regime de democracia nacional revolucionária”, foi mantido durante toda a década de 80 como um dos objectivos prioritários afirmados no II Congresso do PAICV e vertidos para o Programa do Governo do período 1986-90.
Se, por um lado, se reconhecia, em meados da década de 80, que a inserção de Cabo Verde na economia mundial é uma exigência (o termo mais usado quer no Programa do Governo (1986-90), quer no I e II PND, é o de inserção na divisão internacional do trabalho), por outro lado, essa inserção era apresentada como uma opção que coloca “múltiplos e delicados problemas”, que exigia uma “escolha rigorosa de parceiros estrangeiros” e que “comportava riscos para a soberania nacional, para a unidade nacional, para a unidade ideológica do Partido, enfim, para o projecto de sociedade”.
O II PND e o Programa do Governo (1986-90) mantiveram a mesma orientação de temor face à inserção do país na economia mundial e ao investimento estrangeiro. No programa do Governo falava-se do importante papel dos capitais (nacional e estrangeiro) para o aproveitamento da vocação geo-económica resultante da posição geográfica do país na encruzilhada das rotas marítimas e aéreas que ligam a África, a Europa e as Américas,
através da produção de serviços. Ao mesmo tempo apontava-se o caminho: “a prioridade da política externa de Cabo Verde continuará a ser a África, em cujo contexto geo-político e económico se envidarão esforços ainda mais sistemáticos de integração.” É via reforço da integração regional que o objectivo da “inserção na divisão internacional do trabalho” deveria fazer-se no sentido de reduzir os riscos face à “perpetuação de potentes mecanismos de dominação dos países do 3º mundo”.
As contradições e indecisões do sistema PAICV quanto à abertura da economia ao investimento estrangeiro, geradas, por um lado, pela necessidade de obtenção de recursos externos para o financiamento da economia e, por outro lado, pelo reconhecimento, tardio, da inadequação da estratégia de industrialização pela substituição de importações, fizeram com que, por motivos ideológicos, Cabo Verde perdesse importantes oportunidades de negócios e de começar muito mais cedo a aposta no desenvolvimento do turismo, que só veio acontecer na década de 90.
Apenas na revisão constitucional de 1988 foi considerada a possibilidade de abertura ao capital estrangeiro, mantendo-se no entanto importantes restrições à intervenção da iniciativa privada na economia impostas pela lei de delimitação de sectores.
Um sector que o Governo considerava ter, na sua óptica, “o papel determinante de viabilização da economia de Cabo Verde”, a indústria, era paradoxalmente mantido como exclusivo do Estado, podendo a iniciativa privada ter acesso aos meios básicos de produção industrial desde que em condições em que o Estado mantenha o controlo societário da empresa.
Esta opção pela economia estatizada, mantida até ao final do regime de partido único, era obviamente incompatível com o desenvolvimento da iniciativa privada, com a atracção de investimento estrangeiro e com qualquer estratégia viável de inserção de Cabo Verde na economia mundial.
Apesar de no Programa do Governo para o período 1986-90 falar-se do aproveitamento da vocação geo-económica do país através da produção de serviços, esse mesmo programa define a agricultura como um sector prioritário e a indústria como determinante para a viabilização da economia cabo-verdiana. A função externa da economia do país com capacidade de inserir na economia mundial não estava definida. O sector dos serviços era largamente dominado pelo comércio de importação e de distribuição no mercado interno; o turismo não tinha expressão; a indústria para além de estar subordinada à estratégia de substituição das importações, era reservada ao Estado como “empresário industrial.
Até ao final da década de 80, Cabo Verde posicionava-se como um país receptor de ajuda pública ao desenvolvimento e de remessas de emigrantes.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (III)

O caso Botswana
Independente desde 1966, Botswana, um pequeno país africano de 1,6 milhões de habitantes e com uma extensão geográfica de cerca de 600Km2, é considerado um caso exemplar de sucesso. Aquando da independência, era um dos países mais pobres do mundo, com um PIB per capita de 80 dólares (Cabo Verde em 1975 tinha um PIB per capita de 200 dólares). Hoje, é mais competitivo do que o Brasil e o México. O Banco
Mundial considera-o como o país mais favorável aos negócios em todo o continente africano.
Botswana é um país de rendimento médio com um PIB per capita PPP de $10.700, fruto de um crescimento médio real do PIB per capita de 6,4% entre 1960 e 2001, período em que vários países africanos conheceram crescimento médio negativo (Gana, Senegal, Tchad, Zâmbia, Madagáscar, Níger, etc). Entre 1980 e 1990 registou um crescimento médio anual de 10,3% (dobro da taxa de crescimento de Cabo Verde no mesmo período); nas últimas duas décadas tem crescido a uma média dos 7% por ano.
Botswana é o maior produtor de diamantes do mundo (responsável por 35% da produção mundial de diamantes), no entanto, o seu sucesso não é explicado pela sua riqueza mineral. Segundo Henrique Raposo, Investigador do Instituto de Defesa Nacional de Portugal, Botswana “escapou à maldição dos recursos”. A maioria dos países africanos, tão ou mais ricos em matérias-primas e minerais, viram o seu PIB per capita diminuir. É o caso, por exemplo, da Serra Leoa (produtor de diamantes como o
Botswana) e da Nigéria (produtor de petróleo).
O sucesso de Botswana deve-se ao facto de, desde a independência (desde 1966) ter optado por uma democracia constitucional que se casou bem com a cultura tradicional, numa relação de modernidade política com a tradição cultural. Isto foi possível graças à liderança de Seretse Khama, um chefe tribal, advogado, que fundiu a autoridade que essa posição lhe concedia com a legitimidade legal. Botswana optou pelo primado da lei, pela limitação do Estado e pela qualidade das instituições através de uma “burocracia assente na meritocracia, relativamente não corrupta e eficiente”, ao mesmo tempo que “o Governo investiu fortemente na expansão de infraestruturas e num eficiente sistema de acesso à educação e à saúde”. É o país menos corrupto da África. Contrariamente, países ricos em petróleo ou minerais como Iraque, Nigéria, Serra Leoa, Venezuela, República Democrática do Congo, Zâmbia e outros, confirmam a tese que “países ricos em recursos naturais têm instituições fracas derivadas de deficientes mecanismos de checks and balances no controlo do governo, da não observância do primado da lei e da corrupção”. O elemento chave do sucesso de Botswana, segundo Acemoglu, Jonhson e Robinson, referidos por Dani Rodrick na obra In Search of Prosperity, tem a ver com arranjos institucionais que protegeram adequadamente os direitos de propriedade de investidores.
Botswana e Maurícias são os únicos países africanos com uma democracia ininterrupta desde a independência (desde 1965 que o Botswana tem tido eleições multipartidárias). Esta realidade explica em grande parte as diferenças de percurso e de resultados relativamente à maioria dos países africanos, incluindo Cabo Verde.
Ilhas Maurícias
As Maurícias (1,2 milhões de habitantes) obtiveram independência em 1968. Enquanto que Cabo Verde se regia por princípios de “economia nacional independente”, estatizada e planificada, até 1990, Maurícias, já em 1968, decidia pela diversificação da sua economia e implementava políticas de fomento das exportações com a criação de Zonas de Processamento para Exportação (EPZ). De uma economia baseada na indústria do açúcar o país transitou para uma economia onde a manufactura, o turismo, as finanças e a tecnologia desempenham um papel proeminente.
Segundo o relatório do “Economist Intelligence Unit”, Maurícias é o único país africano que integra o grupo das “democracias plenas” (em apenas 28 países do mundo existe democracia plena; 54 constituem “democracias imperfeitas” e 55 são “regimes autoritários”).
Cabo Verde também podia ser excepção?
Os casos do Botswana e das Ilhas Maurícias demonstram que, apesar de a maioria dos países que ascenderam à independência nas décadas de 60 e 70 terem optado por regimes de natureza autoritária e totalitária e por economias inspiradas no modelo soviético, houve excepções. A questão que se coloca é se Cabo Verde podia ser também uma excepção. Cremos que sim. Os factores que diferenciam e explicam o desenvolvimento de uma democracia estável no Botswana desde a sua independência, como população reduzida (não é determinante, mas simplifica a gestão política
em termos demográficos) e a homogeneidade étnica1(facilita a coesão social e permite que esse factor não seja motivo de disputa política) , existiam e existem em Cabo Verde em maior expressão e com ingredientes adicionais como a escolarização e a forte propensão cosmopolita dos caboverdianos.
Cabo Verde é, em África, “um dos raros casos onde existe uma definição étnica, cultural e religiosa, que é resultado de uma homogeneidade da sua identidade nacional e de portanto não existir neste país o problema da definição da Nação que tem impedido em muitos países africanos na própria delineação do Estado”. Estas condições são o resultado de percurso de séculos e obviamente estavam presentes no período da independência do país. Cabo Verde optou por um caminho diferente, o regime autoritário de partido único, por razões de legitimidade histórica.

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (II)

A Constituição Económica de 1980
A Constituição de 1980 adopta o conceito de “economia nacional independente”, em voga nos anos 60 e 70 e assume-o como um dos deveres do Estado, numa pequena economia insular e numa cultura aberta ao mundo como Cabo Verde. A realidade é que nem Cabo Verde tinha condições para ambicionar ser um país de desenvolvimento auto-centrado e nem seria essa a via mais correcta. No começo dos anos 80 “já eram conhecidos os impasses a que tinham conduzido as diferentes estratégias introvertidas
nos países em desenvolvimento, além de que se viviam já os debates sobre a crise do paradigma do desenvolvimento e sobre as novas posições introduzidas pelos economistas neoliberais”. Vários estudos do Banco Mundial e de outras instituições mostram que “países mais integrados na economia mundial cresceram mais do que os não globalizados”.
O Estado deve promover o desenvolvimento económico e controlar os sectores básicos da economia, como fundamento do progresso social, assim ditava a alínea e) do artigo 10º da Constituição de 1980. Para além disso, dispunha o nº 2 do artigo 11º da Constituição que, “São propriedade do Estado o subsolo, as águas, as riquezas minerais, as principais fontes de energia, os meios básicos de produção industrial, os meios de informação e comunicação, os bancos, os seguros, as infra-estruturas e os meios fundamentais de transporte”. Dizia ainda a Constituição que o “Estado controla o comércio externo e detém o monopólio das operações com ouro e divisas”. Estes princípios consagrados na Constituição dizem tudo sobre a estatização da economia,sendo a propriedade estatal constitucionalmente declarada como sector dominante da economia, em contraponto com a propriedade privada e a propriedade cooperativa.
A opção por uma economia estatizada e planificada, inspirada no modelo soviético, não podia ser mais clara, apesar de algumas incongruências que resultavam da sua aplicação à realidade de um país como Cabo Verde, como é o caso de o Estado reservar “meios básicos de produção industrial” numa economia em que a indústria representava cerca de 5% do PIB e o dever de construir uma “economia nacional independente” num pequeno estado insular, marcado pela diáspora, de formação e aspiração cosmopolita e que desempenhou uma função histórica de prestação de serviços.
A praxis governativa
O 1º Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) 1982-1985 traduzia bem os princípios consagrados na Constituição de 80. Dispunha que “(…) a nossa economia exige uma planificação rigorosa, orientada segundo o princípio do centralismo democrático. (…) o Estado terá que desempenhar um papel determinante em todos os domínios (…) o sector produtivo estatal ocupará uma posição posição dominante na economia (…) para assegurar o desenvolvimento económico na via dos objectivos programáticos do Partido”. Para isso, “(…) basta que o Estado controle os sectores básicos e as variáveis económicas estratégicas.”
Praticamente todas as esferas de actividade económica foram dominadas pelo Estado: da agricultura, ao comércio de importação e a grosso, nalguns casos o comércio a retalho, passando pela indústria ligeira, a energia, a pesca, os transportes e comunicações, o sistema financeiro, a prestação de serviços diversos, a imprensa, a construção, hotelaria, etc.
No sector financeiro, o Estado tinha o exclusivo de toda a actividade bancária e seguradora. O sistema mono bancário permaneceu até 1994. O Estado, através do Banco de Cabo Verde assumia em exclusivo as funções de banco central e de banca comercial, já que a Caixa Económica não podia ser, com propriedade, considerada como um banco. O mesmo figurino vigorou para o sector segurador até 1991-92.
No sector da energia, a criação da Electra, a partir da Empresa de Electricidade e Água do Mindelo e da Central da Praia, veio consagrar o monopólio da produção e distribuição de electricidade pelo Estado. Mas, em contrapartida, no sector da comercialização de combustíveis, o Estado esteve sempre em “minoria”, já que este ramo de actividade foi sempre dominado pela Shell, empresa estrangeira. A criação da Enacol em 1981-82 veio consagrar a presença do Estado neste ramo estratégico da economia.
No sector de transportes e comunicações, o Estado manteve domínio total sobre os correios, telecomunicações, transportes aéreos, e uma presença dominante no transporte marítimo de longo curso, ainda que neste caso, bem como no transporte marítimo de cabotagem, o sector privado estivesse presente.
No que concerne à imprensa, o Estado manteve o exclusivo das actividades de radiodifusão, televisão, agência noticiosa e imprensa escrita.
Em 1986, através da Lei nº 10/86, o Estado reafirmou o seu exclusivo sobre essas áreas, e sobre outros meios de informação e comunicação declarados por lei, deixando, porém, uma pequena janela entreaberta onde entraria o jornal Terra Nova.
No sector industrial, o Estado cumpriu a promessa implícita na Constituição.
A estratégia de desenvolvimento industrial baseou-se num forte intervencionismo do Estado e na substituição de importações, um modelo auto-centrado, esgotado a nível de vários países desde o final da década de 70. Quando as tendências da economia mundial eram para a abertura comercial e promoção das exportações, Cabo Verde optava, em coerência com o desígnio constitucional de construir uma “economia nacional independente”, por um projecto de desenvolvimento virado para dentro, para o mercado local, como bem reflectia a política de substituição das importações.
A presença do Estado fez-se sentir nas indústrias de confecções, calçado, avicultura, metalomecânica, moagem, agro indústria, tintas, reparação naval, conservação do pescado, etc.
Na agricultura, foram nacionalizadas terras de proprietários absentistas, depois repartidas pela reforma agrária; algumas dessas propriedades foram transformadas em empresas estatais (Justino Lopes). Nas pescas, o Estado criou a Pescave que tinha uma posição dominante na pesca industrial, e a Interbase, com exclusivo de armazenagem do pescado. No entanto, globalmente, tanto na agricultura como nas pescas, a iniciativa privada manteve sempre a sua predominância.
No ramo de construções, excluindo a autoconstrução, o Estado tinha uma posição dominante, não só através das empresas estatais do sector, EMEC e MAC, mas igualmente pela via do Ministério das Obras Públicas, que realizava directamente as obras do Estado através das suas direcções regionais.
O Estado manteve um forte controle do comércio externo e a grosso, ainda que o sector privado tivesse alguma margem de manobra. A legislação que regulava o sector foi publicada em 1985 (Lei nº 135/85), tendo codificado práticas anteriores a 1980, no concernente a licenciamento prévio das importações, plafonds, controle cambial, e reserva pública de certas áreas, como sejam a importação de produtos alimentares de primeira necessidade, materiais de construção e medicamentos. O Estado acabou por
intervir também no comércio de retalho de certos produtos, ainda que o essencial se tenha mantido no sector privado.
Quanto ao investimento externo, ele é meramente “tolerado” pela Constituição de 80 que diz que “o Estado pode autorizar o investimento de capital estrangeiro desde que seja útil ao desenvolvimento económico e social do país”. A possibilidade de abertura ao capital estrangeiro considerada na revisão Constitucional de 1988, ficou letra morta. Em 1990, o único investimento estrangeiro digno de nota era a Shell, empresa que actua em Cabo Verde desde o início do século vinte, e que deu continuidade às suas actividades depois da Independência e a Ceris (empresa mista).
Em finais do decénio de 80, mais precisamente nos anos 1988 e 1989, observa-se um tímido movimento de flexibilização de alguns aspectos mais restritivos do sistema económico da Constituição de 80. A revisão Constitucional de 1988 teve esse propósito específico (Lei constitucional nº 1/88 de 17 de Dezembro).
A revisão retirou os bancos e seguros da lista de propriedade exclusiva do Estado, o mesmo acontecendo com as principais fontes de energia. O monopólio do Estado sobre as operações de divisas foi igualmente retirado.
Essa revisão constitucional visava sobretudo permitir a aprovação de legislação sobre instituições financeiras internacionais, que acabou por não ter consequências práticas até meados da década de noventa.
Na sequência da revisão constitucional, foi aprovada a lei de delimitação de sectores (Lei nº 52/89 de 13 de Junho), que consagra essa tímida abertura, mantendo, porém, várias restrições à intervenção do sector privado na economia. Assim, as actividades bancária e seguradora, deixaram de ser exclusivo do Estado e matéria regulada por via constitucional, passando a ser reguladas por lei ordinária. Esta iniciativa não teve consequências até 1991 para os seguros, e 1994-95 para a banca.
Além disso, apesar da revisão constitucional ter mantido o exclusivo do Estado para os meios básicos de produção industrial, a lei de delimitação de sectores abriu a possibilidade de acesso da iniciativa privada a um conjunto de sectores, desde que em associação com pessoas colectivas públicas, mas sempre em posição que garantia a estas o controlo da empresa.
Manteve-se, assim, o estatuto de menoridade da iniciativa privada. O mesmo diploma vedou expressamente ao sector privado algumas áreas de actividade, nomeadamente, recursos hídricos, distribuição de energia eléctrica, serviços postal e rede básica de telecomunicações, exploração de portos e aeroportos, deixando em aberto a possibilidade de exercício de algumas dessas actividades ao sector privado, quando razões ponderosas de interesse publico o aconselhassem.
A planificação da economia, uma exigência constitucional, foi vertida em lei (Lei nº 52/85) e traduzida em Planos Nacionais de Desenvolvimento, que ainda hoje são produzidos, mas com carácter indicativo e facultativo.
A Lei nº 52/85 declarava, em sintonia com o imperativo constitucional, que o PND era imperativo para o sector público e orientador para o sector privado. O Programa do Partido (PAICV), citado no I PND (198285), indicava que a planificação é “orientada segundo o princípio do centralismo democrático”.
Em suma, o modelo de economia efectivamente implantado até 1990, corresponde, grosso modo, ao modelo desenhado na Constituição de 1980, ou seja, uma economia que nega o princípio da liberdade económica, estatizada, de planeamento central e regulada por instrumentos directos não económicos ao nível do abastecimento do mercado, do investimento, do emprego e da política monetária e cambial.
Em finais do decénio, nota-se uma tímida abertura em relação à iniciativa privada, nacional e estrangeira, mas sem consequências dignas de registo, na prática e muito distante de uma economia de mercado e de um quadro institucional promotor da iniciativa privada.

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (I)

Na revista Direito e Cidadania “Cabo Verde – três décadas depois”, Ano VIII, Número Especial 2007, publiquei um texto sobre a evolução da economia cabo-verdiana que vou partilhar convosco. Tendo em conta a extensão do texto, vou inseri-lo em partes.
Na década de 70, o mundo vivia uma importante crise económica, sob o efeito de fortes choques petrolíferos com os preços a atingirem valores históricos mesmo quando reportados aos dias de hoje. Surgiam as primeiras restrições ambientais relacionadas com o consumo de combustíveis fósseis. É a década do aparecimento de algumas tecnologias inovadoras como os vídeo jogos e o Boeing 747. É a chamada “década do eu” (individualismo), do fenómeno Beatles e da decadência do movimento hippie.
Guiné Bissau (1973), São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo Verde, Comores e Angola (1975), Ilhas Seychelles (1976), Djibouti (1977) e Suazilândia (1978), tornam-se independentes. Em Portugal dá-se a Revolução dos Cravos (25 de Abril de 1974). Assiste-se ao fim da guerra do Vietnã.
A maior parte das ex-colónias africanas implantaram regimes autoritários ou totalitários de inspiração marxista, ligados à influência soviética. Cabo Verde não fugiu à regra.
A opção por um regime autoritário foi assumida desde a primeira hora. A Lei de Organização Política do Estado (1975) que antecedeu a Constituição de 1980 não podia ser mais clara ao definir uma superestrutura jurídico-política de cariz autoritário. Assim rezava: (1) o PAIGC é a força dirigente da sociedade; (2) o poder soberano não é exercido pelo povo mas somente em seu interesse; (3) a Assembleia, o Presidente e o Governo submetem-se totalmente ao Partido; (4) os tribunais não têm qualquer autonomia e não há separação dos poderes legislativo e executivo.
A Constituição de 1980 consagrou o conceito de “democracia nacional revolucionária” atribuindo, na mesma senda da LOPE, ao PAICV o papel e a prerrogativa de “força política dirigente da sociedade e do Estado”. A Lei eleitoral (Lei nº 2/80 e Lei nº 45/II/84) impunha lista única e a exclusividade de apresentação de candidaturas ao PAIGC/CV. A Lei de imprensa (Lei nº 10/III/86) atribuía exclusividade ao Estado do exercício da actividade da comunicação social. Os funcionários públicos tinham que prestar juramento à “fidelidade total aos objectivos do PAIGC”. Era exigida à polícia identificação com os princípios e objectivos do PAIGC. A mesma orientação era exigida à educação e à formação.
Quer a LOPE, quer a Constituição de 1980, consagraram um regime autoritário expressando através da arquitectura constitucional, legal e institucional, um regime que nas suas várias formas de manifestação “só entende o homem ao serviço dos superiores interesses da colectividade protoganizados pelo Estado, segundo a interpretação revelada pela força do detentor supremo do poder político, assistindo-se, em consequência, à completa funcionalização ou à instrumentalização total do homem ”. O regime era caracterizado pelo domínio do Partido Único nos planos político, económico, social, cultural, educacional e da comunicação social, confundindo-se o partido com o Estado. O Estado era o principal meio de mobilização e de ascensão social e era concebido como estando ao serviço do Partido.
O entendimento do tipo de regime político é fundamental para analisar e compreender o tipo de economia que foi instituído durante a vigência desse regime e a sua coerência, confirmando a tese de que a “a economia é inseparável de uma série de instituições sociais e políticas na sociedade em geral ”.
A década de 80 marca o fim da idade industrial e o início da idade da informação e da alta tecnologia e uma nova economia baseada no conhecimento. É a década do desmoronamento dos regimes comunistas da Europa de Leste, da desintegração da União Soviética, da queda do Muro de Berlin e do reconhecimento da universalidade dos direitos humanos e da democracia. Para muitos, foi a década perdida para os países africanos e da América Latina.
A passagem da era da segunda revolução industrial para a era da alta tecnologia, da automação e do conhecimento piorou a posição dos países africanos no comércio mundial, aumentando o fosso relativamente aos países desenvolvidos. O fraco desempenho dos países em desenvolvimento passa a ser explicado pelas opções políticas erradas relacionadas com a excessiva dimensão e intervenção do Estado predador, ineficiente e propiciador de corrupção, regimes irracionais e ineficientes de controlos económicos e ausência de economias de mercado. Economistas do desenvolvimento apontavam nessa altura que as políticas correctas deveriam passar pela liberalização do comércio externo, promoção das exportações, privatizações e criação de economias de mercado com vista a evitar as distorções induzidas pela excessiva ou exclusiva intervenção do Estado na economia. A própria NEPAD considera que “houve um reconhecimento crescente de que foram sempre falhas de governação (fracas instituições, má gestão de fundos públicos, exclusão política) que estão por detrás dos conflitos e o declínio económico que contribuiu para empobrecimento contínuo da África ”. Cabo Verde atravessou toda a década 80 com uma Constituição, um regime político e um sistema económico de cariz autoritário e estatizante.