terça-feira, 10 de agosto de 2010

O que faz crescer os países?

A tese do Modelo Harrod-Domar[1] de que o crescimento económico é proporcional ao volume de investimento em capital (máquinas e infraestruturas) orientou a Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) durante várias décadas, através de “aid to investment to growth”. Um modelo assente num grande erro, como afirma William Easterly[2]. O investimento em capital físico e sua acumulação pode ser considerado uma condição necessária para o crescimento económico, mas não é uma condição suficiente e é aqui que muitos países falham.
Os múltiplos factores que afectam o crescimento (tecnologia, capital humano e capital organizacional) fazem com que a relação entre o crescimento económico e o investimento seja instável e se possa perder. Incentivos e expectativas são fundamentais para o crescimento económico. As pessoas respondem a incentivos e gerem expectativas (Easterly 2001). Para isso precisam de um ambiente político, económico, social e organizacional favorável que não se compadece com a corrupção, sérios constrangimentos à liberdade e à democracia, fragilidade das instituições e dificuldades em fazer funcionar a autoridade do Estado, tensões sessionistas e conflitos violentos, situações que têm afectado negativamente a democracia e o desenvolvimento na África Sub-sariana.
No caso de Cabo Verde diria, não se compadece com a fraqueza institucional e partidatidarização da administração pública nas suas diversas funções; com a morosidade da justiça; com a fragilidade da regulação económica; com ausência de regulação e constrangimentos à liberdade (autocensura) no sector da comunicação social; com a relação de desconfiança em relação às empresas e ao investimento privado e; com a perversa prática de mediocrizar as relações entre o Estado e os cidadãos na base político-clientelar e político-dependência/submissão. São claramente constrangimentos ao crescimento económico pelos elevados custos de oportunidade, custos de transacção e desperdícios que provocam no não aproveitamento das potencialidades e no uso deficiente dos recursos e pelos modelos de comportamento que reproduzem em desfavor do mérito, do esforço, do trabalho e da responsabilidade individual e familiar.
Estudos recentes do Banco Mundial (2006)[3] confirmam que o capital intangível (capital humano, as habilidades e o conhecimento incorporados na força de trabalho, o capital social, a qualidade das instituições) é preponderante na criação da riqueza das nações; daí é que advém a maior parte da riqueza de um país. Esses estudos demonstram que, quanto mais desenvolvidas são as economias, menos elas dependem dos recursos naturais e mais utilizam os chamados capitais intangíveis. A importância relativa do capital intangível na criação da riqueza é de 59% nos países de baixo rendimento, 68% nos países de rendimento médio e 80% nos países de elevado rendimento (OCDE). Por outro lado, os recursos naturais têm uma maior importância relativa nos países de baixo rendimento (26%) do que nos de elevado rendimento (2%).
O que tem acontecido em Cabo Verde é uma governação prisioneira da tese do Modelo Harrod-Domar. O grande desequilíbrio entre o investimento em infraestruturas e o investimento na qualificação das instituições como a justiça, a regulação, os serviços públicos prestados aos cidadãos e às empresas e na qualidade da educação e da saúde, demonstra claramente isso. Isto é de tal forma sintomático que os discursos/declarações/entrevistas do Primeiro Ministro há muito se concentraram no desfilar de listagens de realizações físicas para mostrar obras e desenvolvimento.
Mesmo quando se questiona sobre sectores como a justiça, a segurança, a educação e a saúde, a resposta que se ouve é o número de edifícios construídos, máquinas e materiais adquiridos. No entanto o que interessa saber é se temos mais qualidade no funcionamento da administração da justiça e se ela está mais independente, mais célere, mais acessível aos cidadãos; se temos mais segurança, lideranças competentes nas polícias, agentes bem formados, mais e melhores meios de investigação criminal; se as escolas estão a formar melhores alunos e cidadãos, se os professores estão melhores formados e motivados, se os curriculas estão ajustados às necessidades do país e ao contexto do mundo de globalização competitiva em que vivemos, se há redução sustentada do abandono escolar; se há mais qualidade do sistema nacional de saúde com mais especialistas, mais acesso e uso de tecnologias, melhores cuidados primários de saúde, se há redução sustentada das listas de espera para consultas e exames complementarees de diagnóstico, se há aceleração na diminuição da mortalidade infantil, se o sistema nacional de saúde está ajustado às necesidades do país em fazer crescer o fluxo turístico e paricularmente especializar-se em turismo de qualidade.
O que interessa saber é se os investimentos em infraestruturas obedecem a uma estratégia concertada e articulada com a melhoria do ambiente de negócios para atrair, reter e estimular investimentos produtivos em bens e serviços transaccionáveis com impactos na criação de emprego e nas exportações (incluindo neste caso, o turismo). Não é isso que está a acontecer. Os investimentos em infraestruturas ganharam vida própria, não foram e não estão a ser companhadas de reformas no sistema e na administração fiscal (antes pelo contrário), na qualificação e credibilidade da regulação, na flexibilização laboral, na criação de efeitos multiplicadores sobre a actividade das pequenas e médias empresas, na formação profissional adequada às necessidades do mercado e colocam em segunda prioridade sectores básicos como os transportes marítimos, a energia, a água, o saneamento que cada vez mais se despontam como sérios constrangimentos no país. Este desencontro provoca dívida externa sem o correspondente aumento da capacidade exportadora e sem capacidade de gerar oportunidades de criação de empregos que contribuam para a melhoria da qualidade de vida das famílias e dos jovens.
Os efeitos deste modelo de crescimento extensivo estão à vista: o país cresce muito abaixo do potencial e a um nível anémico incapaz de gerar empregos e muito menos de reduzir a pobreza. Por provocar aumento das importações e reter pouco valor acrescentado dado o modelo de financiamento associado às grandes obras que têm sido executadas, e não induzir aumento significativo das exportações, o agravamento da conta externa é a factura a pagar.


[1] Evsey Domar (1946) e Roy Harrod (1939). O modelo está baseado em dois conceitos básicos: do lado da oferta agregada, na relação marginal produto-capital, ou seja, em quanto aumenta a produção ou a oferta global, quando, através do investimento, aumenta de uma unidade o stock de capital; e do lado da procura, na propensão marginal a poupar, ou seja, em quanto aumenta a poupança, quando aumenta de uma unidade a renda ou procura agregada.
[2] Willian Easterly, The Elusive Quest for Growth (2002).
[3] World Bank, WHERE IS THE Wealth of NATIONS? Measuring Capital for the 21st Century, 2006

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