segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (III)

O caso Botswana
Independente desde 1966, Botswana, um pequeno país africano de 1,6 milhões de habitantes e com uma extensão geográfica de cerca de 600Km2, é considerado um caso exemplar de sucesso. Aquando da independência, era um dos países mais pobres do mundo, com um PIB per capita de 80 dólares (Cabo Verde em 1975 tinha um PIB per capita de 200 dólares). Hoje, é mais competitivo do que o Brasil e o México. O Banco
Mundial considera-o como o país mais favorável aos negócios em todo o continente africano.
Botswana é um país de rendimento médio com um PIB per capita PPP de $10.700, fruto de um crescimento médio real do PIB per capita de 6,4% entre 1960 e 2001, período em que vários países africanos conheceram crescimento médio negativo (Gana, Senegal, Tchad, Zâmbia, Madagáscar, Níger, etc). Entre 1980 e 1990 registou um crescimento médio anual de 10,3% (dobro da taxa de crescimento de Cabo Verde no mesmo período); nas últimas duas décadas tem crescido a uma média dos 7% por ano.
Botswana é o maior produtor de diamantes do mundo (responsável por 35% da produção mundial de diamantes), no entanto, o seu sucesso não é explicado pela sua riqueza mineral. Segundo Henrique Raposo, Investigador do Instituto de Defesa Nacional de Portugal, Botswana “escapou à maldição dos recursos”. A maioria dos países africanos, tão ou mais ricos em matérias-primas e minerais, viram o seu PIB per capita diminuir. É o caso, por exemplo, da Serra Leoa (produtor de diamantes como o
Botswana) e da Nigéria (produtor de petróleo).
O sucesso de Botswana deve-se ao facto de, desde a independência (desde 1966) ter optado por uma democracia constitucional que se casou bem com a cultura tradicional, numa relação de modernidade política com a tradição cultural. Isto foi possível graças à liderança de Seretse Khama, um chefe tribal, advogado, que fundiu a autoridade que essa posição lhe concedia com a legitimidade legal. Botswana optou pelo primado da lei, pela limitação do Estado e pela qualidade das instituições através de uma “burocracia assente na meritocracia, relativamente não corrupta e eficiente”, ao mesmo tempo que “o Governo investiu fortemente na expansão de infraestruturas e num eficiente sistema de acesso à educação e à saúde”. É o país menos corrupto da África. Contrariamente, países ricos em petróleo ou minerais como Iraque, Nigéria, Serra Leoa, Venezuela, República Democrática do Congo, Zâmbia e outros, confirmam a tese que “países ricos em recursos naturais têm instituições fracas derivadas de deficientes mecanismos de checks and balances no controlo do governo, da não observância do primado da lei e da corrupção”. O elemento chave do sucesso de Botswana, segundo Acemoglu, Jonhson e Robinson, referidos por Dani Rodrick na obra In Search of Prosperity, tem a ver com arranjos institucionais que protegeram adequadamente os direitos de propriedade de investidores.
Botswana e Maurícias são os únicos países africanos com uma democracia ininterrupta desde a independência (desde 1965 que o Botswana tem tido eleições multipartidárias). Esta realidade explica em grande parte as diferenças de percurso e de resultados relativamente à maioria dos países africanos, incluindo Cabo Verde.
Ilhas Maurícias
As Maurícias (1,2 milhões de habitantes) obtiveram independência em 1968. Enquanto que Cabo Verde se regia por princípios de “economia nacional independente”, estatizada e planificada, até 1990, Maurícias, já em 1968, decidia pela diversificação da sua economia e implementava políticas de fomento das exportações com a criação de Zonas de Processamento para Exportação (EPZ). De uma economia baseada na indústria do açúcar o país transitou para uma economia onde a manufactura, o turismo, as finanças e a tecnologia desempenham um papel proeminente.
Segundo o relatório do “Economist Intelligence Unit”, Maurícias é o único país africano que integra o grupo das “democracias plenas” (em apenas 28 países do mundo existe democracia plena; 54 constituem “democracias imperfeitas” e 55 são “regimes autoritários”).
Cabo Verde também podia ser excepção?
Os casos do Botswana e das Ilhas Maurícias demonstram que, apesar de a maioria dos países que ascenderam à independência nas décadas de 60 e 70 terem optado por regimes de natureza autoritária e totalitária e por economias inspiradas no modelo soviético, houve excepções. A questão que se coloca é se Cabo Verde podia ser também uma excepção. Cremos que sim. Os factores que diferenciam e explicam o desenvolvimento de uma democracia estável no Botswana desde a sua independência, como população reduzida (não é determinante, mas simplifica a gestão política
em termos demográficos) e a homogeneidade étnica1(facilita a coesão social e permite que esse factor não seja motivo de disputa política) , existiam e existem em Cabo Verde em maior expressão e com ingredientes adicionais como a escolarização e a forte propensão cosmopolita dos caboverdianos.
Cabo Verde é, em África, “um dos raros casos onde existe uma definição étnica, cultural e religiosa, que é resultado de uma homogeneidade da sua identidade nacional e de portanto não existir neste país o problema da definição da Nação que tem impedido em muitos países africanos na própria delineação do Estado”. Estas condições são o resultado de percurso de séculos e obviamente estavam presentes no período da independência do país. Cabo Verde optou por um caminho diferente, o regime autoritário de partido único, por razões de legitimidade histórica.

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