segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (I)

Na revista Direito e Cidadania “Cabo Verde – três décadas depois”, Ano VIII, Número Especial 2007, publiquei um texto sobre a evolução da economia cabo-verdiana que vou partilhar convosco. Tendo em conta a extensão do texto, vou inseri-lo em partes.
Na década de 70, o mundo vivia uma importante crise económica, sob o efeito de fortes choques petrolíferos com os preços a atingirem valores históricos mesmo quando reportados aos dias de hoje. Surgiam as primeiras restrições ambientais relacionadas com o consumo de combustíveis fósseis. É a década do aparecimento de algumas tecnologias inovadoras como os vídeo jogos e o Boeing 747. É a chamada “década do eu” (individualismo), do fenómeno Beatles e da decadência do movimento hippie.
Guiné Bissau (1973), São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo Verde, Comores e Angola (1975), Ilhas Seychelles (1976), Djibouti (1977) e Suazilândia (1978), tornam-se independentes. Em Portugal dá-se a Revolução dos Cravos (25 de Abril de 1974). Assiste-se ao fim da guerra do Vietnã.
A maior parte das ex-colónias africanas implantaram regimes autoritários ou totalitários de inspiração marxista, ligados à influência soviética. Cabo Verde não fugiu à regra.
A opção por um regime autoritário foi assumida desde a primeira hora. A Lei de Organização Política do Estado (1975) que antecedeu a Constituição de 1980 não podia ser mais clara ao definir uma superestrutura jurídico-política de cariz autoritário. Assim rezava: (1) o PAIGC é a força dirigente da sociedade; (2) o poder soberano não é exercido pelo povo mas somente em seu interesse; (3) a Assembleia, o Presidente e o Governo submetem-se totalmente ao Partido; (4) os tribunais não têm qualquer autonomia e não há separação dos poderes legislativo e executivo.
A Constituição de 1980 consagrou o conceito de “democracia nacional revolucionária” atribuindo, na mesma senda da LOPE, ao PAICV o papel e a prerrogativa de “força política dirigente da sociedade e do Estado”. A Lei eleitoral (Lei nº 2/80 e Lei nº 45/II/84) impunha lista única e a exclusividade de apresentação de candidaturas ao PAIGC/CV. A Lei de imprensa (Lei nº 10/III/86) atribuía exclusividade ao Estado do exercício da actividade da comunicação social. Os funcionários públicos tinham que prestar juramento à “fidelidade total aos objectivos do PAIGC”. Era exigida à polícia identificação com os princípios e objectivos do PAIGC. A mesma orientação era exigida à educação e à formação.
Quer a LOPE, quer a Constituição de 1980, consagraram um regime autoritário expressando através da arquitectura constitucional, legal e institucional, um regime que nas suas várias formas de manifestação “só entende o homem ao serviço dos superiores interesses da colectividade protoganizados pelo Estado, segundo a interpretação revelada pela força do detentor supremo do poder político, assistindo-se, em consequência, à completa funcionalização ou à instrumentalização total do homem ”. O regime era caracterizado pelo domínio do Partido Único nos planos político, económico, social, cultural, educacional e da comunicação social, confundindo-se o partido com o Estado. O Estado era o principal meio de mobilização e de ascensão social e era concebido como estando ao serviço do Partido.
O entendimento do tipo de regime político é fundamental para analisar e compreender o tipo de economia que foi instituído durante a vigência desse regime e a sua coerência, confirmando a tese de que a “a economia é inseparável de uma série de instituições sociais e políticas na sociedade em geral ”.
A década de 80 marca o fim da idade industrial e o início da idade da informação e da alta tecnologia e uma nova economia baseada no conhecimento. É a década do desmoronamento dos regimes comunistas da Europa de Leste, da desintegração da União Soviética, da queda do Muro de Berlin e do reconhecimento da universalidade dos direitos humanos e da democracia. Para muitos, foi a década perdida para os países africanos e da América Latina.
A passagem da era da segunda revolução industrial para a era da alta tecnologia, da automação e do conhecimento piorou a posição dos países africanos no comércio mundial, aumentando o fosso relativamente aos países desenvolvidos. O fraco desempenho dos países em desenvolvimento passa a ser explicado pelas opções políticas erradas relacionadas com a excessiva dimensão e intervenção do Estado predador, ineficiente e propiciador de corrupção, regimes irracionais e ineficientes de controlos económicos e ausência de economias de mercado. Economistas do desenvolvimento apontavam nessa altura que as políticas correctas deveriam passar pela liberalização do comércio externo, promoção das exportações, privatizações e criação de economias de mercado com vista a evitar as distorções induzidas pela excessiva ou exclusiva intervenção do Estado na economia. A própria NEPAD considera que “houve um reconhecimento crescente de que foram sempre falhas de governação (fracas instituições, má gestão de fundos públicos, exclusão política) que estão por detrás dos conflitos e o declínio económico que contribuiu para empobrecimento contínuo da África ”. Cabo Verde atravessou toda a década 80 com uma Constituição, um regime político e um sistema económico de cariz autoritário e estatizante.

1 comentário:

  1. E quanto às medidas tomadas pelo Estado para realizar essa tal inserção de cabo verde na economia internacional, e quanto ao acordo de stand-by com o FMI no ano de 1998?????!!!
    preciso de ajuda acerca desse assunto

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