segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da constituição e da praxis governativa (IV)

Características da economia na década de 80
As principais características da economia cabo-verdiana durante toda a década de 80 eram – enquadrados por um quadro ideológico e por uma arquitectura jurídico-institucional – (1) uma economia desintegrada da economia mundial; (2) uma economia estatizada; (3) uma economia assistencial e rentista; (4) uma economia iliberal.
Uma economia desintegrada da economia mundial
A edificação duma economia nacional independente, um objectivo enquadrado “no combate contra a ordem económica (internacional) injusta existente”, teria que avançar mesmo sabendo, como reconhece o próprio PND (1982-85), “que o objectivo não é contudo fácil de se traduzir em objectivos económicos definidos, num mundo cada vez mais marcado por interdependências dos sistemas económicos nacionais”, e que “mais difícil ainda se torna no caso de uma pequena Nação (Cabo Verde) com recursos quase inexistentes”.
Nesse sentido, como constava do Programa do Governo, privilegiavase a orientação para a integração regional e para o intercâmbio entre os Estados da sub-região. As perspectivas a longo prazo (1985-2000), traçadas pelo I PND, apelavam à necessidade de “criação duma capacidade de exportação e de evitar que o aparelho produtivo seja muito sensível às crises e às vicissitudes da actividade económica internacional” e para isso, apontava o caminho do “desenvolvimento de relações económicas preferenciais com os Estados da região (no quadro da CEDEAO e do CILSS) e outros países africanos para concretizar essa política de redução da dependência”. Isto significava uma opção que agravava ainda mais os constrangimentos de uma pequena economia insular como Cabo Verde que, para além de estar distante dos mercados internacionais (em termos de intensidade de relações económicas, custos de transportes e acesso às comunicações), era empurrada para um espaço económico regional pouco dinâmico como é o da África Ocidental.
O objectivo de edificação duma “economia nacional independente”, a par do desenvolvimento e fortalecimento do regime de democracia nacional revolucionária”, foi mantido durante toda a década de 80 como um dos objectivos prioritários afirmados no II Congresso do PAICV e vertidos para o Programa do Governo do período 1986-90.
Se, por um lado, se reconhecia, em meados da década de 80, que a inserção de Cabo Verde na economia mundial é uma exigência (o termo mais usado quer no Programa do Governo (1986-90), quer no I e II PND, é o de inserção na divisão internacional do trabalho), por outro lado, essa inserção era apresentada como uma opção que coloca “múltiplos e delicados problemas”, que exigia uma “escolha rigorosa de parceiros estrangeiros” e que “comportava riscos para a soberania nacional, para a unidade nacional, para a unidade ideológica do Partido, enfim, para o projecto de sociedade”.
O II PND e o Programa do Governo (1986-90) mantiveram a mesma orientação de temor face à inserção do país na economia mundial e ao investimento estrangeiro. No programa do Governo falava-se do importante papel dos capitais (nacional e estrangeiro) para o aproveitamento da vocação geo-económica resultante da posição geográfica do país na encruzilhada das rotas marítimas e aéreas que ligam a África, a Europa e as Américas,
através da produção de serviços. Ao mesmo tempo apontava-se o caminho: “a prioridade da política externa de Cabo Verde continuará a ser a África, em cujo contexto geo-político e económico se envidarão esforços ainda mais sistemáticos de integração.” É via reforço da integração regional que o objectivo da “inserção na divisão internacional do trabalho” deveria fazer-se no sentido de reduzir os riscos face à “perpetuação de potentes mecanismos de dominação dos países do 3º mundo”.
As contradições e indecisões do sistema PAICV quanto à abertura da economia ao investimento estrangeiro, geradas, por um lado, pela necessidade de obtenção de recursos externos para o financiamento da economia e, por outro lado, pelo reconhecimento, tardio, da inadequação da estratégia de industrialização pela substituição de importações, fizeram com que, por motivos ideológicos, Cabo Verde perdesse importantes oportunidades de negócios e de começar muito mais cedo a aposta no desenvolvimento do turismo, que só veio acontecer na década de 90.
Apenas na revisão constitucional de 1988 foi considerada a possibilidade de abertura ao capital estrangeiro, mantendo-se no entanto importantes restrições à intervenção da iniciativa privada na economia impostas pela lei de delimitação de sectores.
Um sector que o Governo considerava ter, na sua óptica, “o papel determinante de viabilização da economia de Cabo Verde”, a indústria, era paradoxalmente mantido como exclusivo do Estado, podendo a iniciativa privada ter acesso aos meios básicos de produção industrial desde que em condições em que o Estado mantenha o controlo societário da empresa.
Esta opção pela economia estatizada, mantida até ao final do regime de partido único, era obviamente incompatível com o desenvolvimento da iniciativa privada, com a atracção de investimento estrangeiro e com qualquer estratégia viável de inserção de Cabo Verde na economia mundial.
Apesar de no Programa do Governo para o período 1986-90 falar-se do aproveitamento da vocação geo-económica do país através da produção de serviços, esse mesmo programa define a agricultura como um sector prioritário e a indústria como determinante para a viabilização da economia cabo-verdiana. A função externa da economia do país com capacidade de inserir na economia mundial não estava definida. O sector dos serviços era largamente dominado pelo comércio de importação e de distribuição no mercado interno; o turismo não tinha expressão; a indústria para além de estar subordinada à estratégia de substituição das importações, era reservada ao Estado como “empresário industrial.
Até ao final da década de 80, Cabo Verde posicionava-se como um país receptor de ajuda pública ao desenvolvimento e de remessas de emigrantes.

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