segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Cabo Verde: três décadas de economia à luz da Constituição e da praxis governativa (V)

Uma economia estatizada

A estatização da economia era uma opção derivada da estrutura ideológica vigente durante o regime de partido único, com enquadramento constitucional e era coerente e consistente com a natureza deste regime. A praxis governativa também foi coerente com essa opção.
A estatização era concretizada através da propriedade estatal sobre um vasto conjunto de sectores de actividade económica e social, da expropriação e nacionalização; da reserva pública sobre determinados sectores; da planificação central e da regulação através de instrumentos não económicos e através de sérias limitações à liberdade económica como a lei de delimitação de sectores que vedava e restringia a intervenção do sector privado na economia, a contingentação e o licenciamento do comércio de importação e o controlo cambial associado às quotas de importação.
Em 1982, os serviços governamentais contribuíram com quase 11% para a formação do PIB e o Sector Empresarial do Estado (SEE) com mais de 37%. No final de 1988, existiam 19 empresas públicas e 14 empresas mistas que representavam um Valor Acrescentado Bruto (VAB) estimado em 16% do PIB, em 1990. O total de emprego assegurado pelo Estado era, em meados da década de 80, de cerca de 50%. Em 1990, o Estado e as Empresas Públicas representavam 59,3% do investimento nacional, o consumo público ascendia a 20% do PIB e o sector público era responsável por 41% do emprego.
As empresas públicas eram ineficientes. Registavam avultados prejuízos, consumiam o grosso do crédito disponível à economia e prestavam serviços de baixa qualidade em todos os sectores. A real dimensão dos problemas do SEE só foi possível determinar aquando das privatizações que ocorreram na década de noventa: 128 milhões de dólares de passivos que tiveram que ser assumidos pelo Estado (Tesouro Público) e 31 milhões de dólares de encargos com a reestruturação das empresas objecto de privatização.
A indústria e a agricultura eram considerados os sectores estratégicos e prioritários da economia. A indústria foi definida como tendo um papel determinante na viabilização da economia cabo-verdiana, devendo caber ao Estado o papel de dinamizador do desenvolvimento industrial como “empresário industrial”, através de empresas públicas e mistas e o exclusivo do acesso aos meios básicos de produção industrial.
O II PND 1986-1990, definiu a indústria como sector de acumulação para o financiamento do desenvolvimento tendo como objectivo primordial, assegurar a viabilidade do conjunto da economia, contribuindo para o equilíbrio das trocas externas, para a exportação e para a resolução do problema do desemprego.
Para tal, cabia ao Estado concentrar a sua acção nos projectos industriais estratégicos (enquanto empresário), devendo, quanto aos projectos induzidos, desempenhar um papel de incitamento e de controlo directo.
Esta opção pela indústria como sector alavanca da economia, subordinada à estratégia de substituição das importações e como reserva do Estado, foi mantida durante toda a década de 80, apesar de o I PND (19821985) ter reconhecido que apenas 40% da capacidade produtiva instalada na altura estava a ser utilizada.
Os resultados dessa opção demonstram o fracasso da via escolhida. O sector considerado estratégico, prioritário, alavanca do crescimento económico e gerador de emprego e de equilíbrio externo, contribuiu apenas com 4% e 6% para o PIB, em 1980 e 1990, respectivamente e com 5% e 7% para o emprego, em 1980 e 1990. As exportações situaram-se a um nível insignificante comparado com o rápido crescimento das importações.
Por outro lado, a estratégia de industrialização pela substituição das importações deixou marcas estruturantes: altas tarifas aduaneiras, restrições administrativas relacionadas com o comércio externo, quer em termos de licenciamentos das importações, quer em termos de controlo cambial, com todos os efeitos sobre o estímulo ao desenvolvimento do comércio informal, do mercado negro e da corrupção, sobre a organização e a competitividade do tecido empresarial e a inflação.
A agricultura era um outro sector definido como prioritário ao qual era atribuído um papel de estabilização do mundo rural e de segurança alimentar.
Estruturou-se assim um sector mantendo a lógica dos programas de “Apoio” da época colonial transformados em “FAIMO”, baseado em investimentos no sector rural orientados para a criação de empregos precários, de fraca produtividade, com vista a garantir um mínimo de rendimento às populações.
Ao Estado era atribuído um papel determinante no sector da agricultura, silvicultura e pecuária. O Programa do Governo para 1986-1990, definiu a agricultura que “emprega 60% dos trabalhadores dos projectos de alta intensidade de mão-de-obra como um sector prioritário”. Manteve-se assim a mesma linha de orientação relativamente a um sector sujeito a elevada carga política, usado como um elemento de forte dependência das populações face ao poder do Estado, apesar de o referido Programa do Governo reconhecer uma situação de degradação da participação do sector no PIB versus os elevados investimentos públicos realizados (32,4% dos investimentos públicos, no 1º quinquénio e 21% no 2º quinquénio), salientando que “os resultados não correspondem ao esforço de investimento realizado pelo Estado”.
A estratégia de estabilização do mundo rural teve efeitos negativos a nível económico, social, cultural e político: conduziu ao aprofundamento de uma relação de dependência face ao emprego público, destruição de um “ethos” de trabalho derivado de um contacto secular com uma terra dura e ingrata, debilidade do capital social, fraca produtividade, elevado êxodo rural, forte dependência da ajuda externa, excessiva carga política na gestão dos investimentos públicos, factores que na sua essência permanecem até aos dias de hoje. Decorridos mais de 30 anos da data da independência, ainda não se conseguiu definir e executar um novo perfil para a agricultura e sua função na economia de um país onde apenas 10% de terras são aráveis e cultiváveis, os solos são de origem vulcânica, pobres em matéria orgânica e com grande sensibilidade à erosão; a pluviosidade é deficitária e aleatória (média de 300 mm) e os recursos hídricos são insuficientes.

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